domingo, 28 de julho de 2013

Piano na Estação da Luz

Metade de um raio perdido de sol em seu rosto
Alguma sensação de que o mundo é seguro
Ela delicadamente pousa seu dedo médio
numa tecla numa região média de um piano médio na Estação da Luz

O som é incerto, desafinado por úmidos rumores diários no salão de passagem
Oxigênio, umidade, gentes...

Ela toca, ouve, baixo, o que toca, e sabe,
toca o mundo

Quero protegê-la, porque ela me salvou,
porque ela me disse com isso coisas da grande cidade que come sonhos
mas que dorme às noites (dorme?) e abre espaço para o qualquer
desejo que nos guarda de nossa autodestruição

Seus olhos de índia,
seus cabelos indecisos entre colonizadores e colonizados
seus cabelos presos num rabo de cavalo familiar, armado pelas tias que cuidam dela, que ralham com ela, que a protegem  de tudo,
de coisas de nós…

Como se o mundo fosse seguro,
ela toca para sempre uma nota,
ela ouve baixinho o que guardam seus dedos em contato
e não sabe,
e não lhe direi!

Não lhe direi, e nem poderia dizer, nunca sobre tudo isso
porque tudo o que destoa entre ela e o mundo
é o modo como seus dedos tocam as teclas
o modo como explora o desconhecido
o modo como confia
e como soa o seu som sozinho
movimentos dela e do ar
ela tem poucos anos

sábado, 6 de julho de 2013

Valsa no Arpoador

No Arpoador
Seus olhos responderão ao chamado
longe, ausente, como for, mesmo machucado
seus olhos, faróis, guiarão o tempo chegado

Os trapos que trarei, pequena,
os medos do mar
as noites de frio
os dias sem ar

tantos dias sem ar...

A ela tocam os sons mais suaves que não sei criar
e que ouço e que desejo como a ela
mas há em si algo que minhas confusas existências não me permitem alcançar

eu a olho
e valsam
valsam
valsam
as ondas do mar

Eu sorrio seu sorriso
apreendo qualquer instante em seus olhos

e eis tudo

porque dela é o riso e os sons que não se navegam

quarta-feira, 26 de junho de 2013

Manifesto

Desejo incontido na noite
em que teus lábios e dentes avermelham-me
tua face cora, tuas unhas pregam
o que trouxeste do pavor de si
na escuridão da minha ausência

Asim, como atado à deriva
das tuas superfícies,
entrego-me ao que buscas
entre os suspiros, os olhos sem rumo,
as palavras incompreensíveis que tocam
alucinantemente cada palmo do ar deste lugar
em ondas, ondas, ondas!
pelos, cabelos, nuca, mãos e pernas
alheios a todas as direções
a todo o medo das ruas lá fora
a tudo o que deve ser ou não

É tempo ainda
e transmutas dor e prazer
nas faces, mil faces esfíngicas,
em formas, mil formas inapreensíveis,
e confuso percorro tua nuca em busca
em busca da fugidia loucura, insânia, necessidade,
entre a trêmula luz e meus olhos fechados,
quem sabe, morder-te...
quem sabe, voar!

Vieste-me contar dos teus,
vieste-me prender nos teus,
vieste-me buscar pros teus,
vieste-me deter nos teus,
vieste-me voar por teus,
vieste-me à superfície para que eu fosse aprofundar-me
e a ti
agora
como que em transe profundo
numa recolha marítima
enquanto te afastas e me deixas ver
sem saber, nem ter, nem ser
sob ainda teus úmidos cachos dourados
que repousa ao redor de tua nuca
uma borboleta.

domingo, 23 de junho de 2013

Prenúncio

Desaparecerão:
as algas do mar;
os peixes do mar;
os navios do mar;
os homens do mar.

Permanecerão:
o tempo e o mar.

sábado, 8 de junho de 2013

quarta-feira, 22 de maio de 2013

Safo I

Sobre seu corpo negro
Deito
Incandecente
Os dedos e os desejos de homem
Por percorrer suas curvas
Em sons e tato crus

Ela repousa em mim
Extática porque em transe
O momento crucial do toque efetivo
Do vibrar de seu corpo

Seus ecos
Seus vãos
Seus macios
Seus rígidos
Corpos fundidos em si
Mulher, negra como o que vejo de luz e calor e suor no fechar de olhos final

E aos meus ouvidos
A transfiguração do toque e do som
Que nela
Que dela
Que bela!
Exprimo
O gozo profundo
Do desejo que não cessa
E é música em seus cabelos

sábado, 18 de maio de 2013

Menina de nome russo II

O que há de amor
Há nela
Que sobreviveu a mim
Que sobreviveu a ela
Que me tece longos lençóis
Enquanto não chego

O que há de mim
Há nela
Que me sabe quem sou
E sorri quando em frangalhos
Volto a ela

terça-feira, 30 de abril de 2013

Das coisas que apartam tempo e espaço I

O abraço
A casa
As mãos
O plástico bolha
O sexo
Elevador quebrado
Os olhos
O blefe durante o carteado
O beijo
O rum
O segredo inconfesso
A caipirinha
O amigo

O amor
A dor
A saudade


domingo, 28 de abril de 2013

domingo, 21 de abril de 2013

Menina-de-nome-russo

São longas as horas e abro a janela
Deitado na cama, olhos abertos, o primeiro movimento do vento me toma a face...
É frio e úmido e cheira à Serra do Mar
E torno a repousar minhas pálpebras umas nas outras, pois sei: logo o sono vem
E quando vier, não serei este ausente, não trarei comigo esta raiva muda e inerte no peito mudo que se conforta no colchão em que repousa agora...

Há presenças e ausências aqui e eu queria captá-las todas, Menina-de-nome-russo, e cantar-te as canções mais belas e ensinar-te as artes do amor pela tua janela que dá para o mar da praia vazia às meias-noites onde apenas nós íamos e vertíamos em vidro as areias com nosso suor...

Essa saudade, esse idioma sem nome que me fala o vento nas faces, em todas as que acompanhaste por tantos e tantos anos, essa necessidade, esta noite, este vazio

Menina-de-nome-russo, dos russos, que sempre temi.

sábado, 20 de abril de 2013

Primeiro ensaio sobre Olívia ou Olívia sorri


Observo em silêncio as mulheres que nascem, crescem, amadurecem e morrem neste lugar

Cheio de inutilidades desse observar, caminho só, em silêncio, como quem recebe de um passado-futuro um beijo quente na face envelhecida e sente uma lágrima lhe desenhar o rosto de emoção, de vida, de significados

Olívia sorri um sorriso que conheço há muitos anos
Seu tempo é o eterno, da paz que vive onde não se chega
Seu sorriso viverá por milhares de anos
As covinhas ligeiras que escrevem sua genealogia
Suas conquistas
Sua felicidade me toca, pois a desejara intensamente em poesia e não sabia escrevê-la, hoje sei, por sequer ter nascido!

Sua alegria compõe o vestido de estrelas do céu
O tempo, o tempo, o tempo
A Terra, a Terra, a Terra
O distante, distante, navegante...

Quanto haverá que sorrir com Carlitos!
Quanto haverá que dançar com os Beatles
Quanto haverá que descobrir as letras de cada gene que em si se escreveu com as linhas do amor!
Quanto há que se espantar com seu sorriso num quadro de antes de si!

Olívia é fruto da arte da vida
Olívia me encanta
Olívia me sorriu pela primeira vez antes de nascer
Olívia carrega sonhos inconfessos de um homem que viu a vida nascer
De novo, de novo, de novo

Olívia cheira bem e sorri dormindo (e deve conversar com os anjos as coisas mais ternas que um ser humano jamais ouvirá, mas de que sentirá saudades)

Aguçam-lhe os sentidos a música e, de algum modo, um poeta que a canta distante e a faz mais próxima de seu jardim, o jardim invisível de onde lhe manda cartas sem fim, escritas à luz de velas, num mundo em que ainda se escrevem cartas, mas que nunca, nunca chegam...

Olívia vibra longínqua, como se o agora não fosse significativo para sua existência como o eterno se faz presente

Olívia chora porque tem cólicas terríveis
Olívia chora porque há febrões intermináveis
Olívia chora, e nem o sabe, porque ao seu lado, sua mãe derrama lágrimas para dentro e para fora para cada dor que ela sente, como se a incapacidade de senti-las em seu lugar fosse uma fraqueza, um falha, um erro!
Olívia pensa, antes de saber pensar: "mãe, eu amo você e não sei porque farei bobeiras e por vezes te deixarei triste"

Olívia ainda não sabe
Ela é uma estrela

E sua mãe e seu pai também

Apenas


A pedra que é apenas pedra
A rua que é apenas rua
A água que é apenas água
A sala que é apenas sala
A rua que é apenas rua
A fome que é apenas fome
A companhia que é apenas ausência
A saudade que é apenas saudade

O que é apenas
O que é sem ser
O que é pobre irrealidade

Vão!


E a noite que parte em nós,
nosso barco,
está à espera da nossa canção
à Lua que sobre o mar permite-nos repousar
Onde o som, onde a canção?
Onde a ode ao que somos
Em vão?
Em sonhos, o que ouço é o vão da canção
Vão!

De mim


Ela que me ensinou sobre o amor e o mar
Ela que partiu sem me dizer adeus e me pediu: vem me buscar!
Ela que me ensinou sobre o rum e o navegar
Ela que me ensinou sobre o gramado da Pedra do Leme e a intensidade de suas mãos sobre as minhas mãos sobre a nossa pele sobre o mar que espumava violentamente contra a encosta as costas a chuva fina e grossa o caos da festa das gentes animadas
Ela que me partiu
Ela que me sorriu
Ela que me viu
Ela que me soltou
Ela que me levou
De mim

terça-feira, 16 de abril de 2013

O sonho do dia


Pensava em como sonhar um dia profundo
Da substância ou cor que fosse...

Sonhar um dia

Era isso
E era de um heroísmo a que se propusera desde tempos imemoriais
Ele, homem

"Não há que se fazer mais que fechar os olhos",
pensara...
Estava errado.

Quando conheceu a morte pela primeira vez
Não pode furtar de si o óbvio:
sonhar era mais fácil que viver.

segunda-feira, 15 de abril de 2013

Razão de nós

Nao ha razao pra ter
O que temos tido
Viver o que temos vivido
Ser o que temos sido

Em algum lugar se perdeu
O que restava
Do fino fio da vida
De nós

domingo, 14 de abril de 2013

Cartografia I


na minha boca
nos meus braços
no meu corpo
no abraço silente do mundo extático em fogo, em calor

no seu prazer
nos seus olhos se fechando
nas suas mãos procurando o sustentáculo que não está ao alcance dos seus tentáculos, mulher do mar e transfigurada em impulsos de possuir e devorar
na sua procura insana quando a terra treme, o mar se levanta e você vem...

na cartografia insana que suas unhas desenham
nas minhas costas
na pele, mapa de um desejo incontido e cego e louco

nos mapas compostos em linhas vermelhas espalhados pelo mar
no sol que vem quando o furor da procela se esvai
nos seus mil caminhos
nos seus sensíveis traços
no seu sono
no seu regaço em paz

na cartografia de nós dois

quinta-feira, 4 de abril de 2013

Clamor em sonho de Orfeu

Agora que sinto nossa chegada,
Eurídice,
Apertemos o passo, que à frente de ti
Meus caminhos são falsos

E não suporto quando teus pés abandonam
O estalar seco dos galhos pelo chão
E tua voz não ecoa nos fundos do Inferno de onde viemos

Não te afastes demais,
Eurídice,
Que nossa chegada é próxima
Que nossa partida é quase finda

Não te cales,
Eurídice,
Não desta vez

Que no peito deste bardo
Bate violento o peso
De que no sonho me vire
E a ti eu veja de sal, o gosto simples,
salgado da lágrima de te ver partir pra sempre

Quero-te luminosa comigo
Onde a Luz alcançará nós dois
E a lira desenhará os sons
Que minha história ainda não contou

Eurídice, para que cheguemos:
caminha junto a mim e, com tua presença, fala!

quarta-feira, 3 de abril de 2013

Éramos distantes

Éramos distantes
E no silêncio seco da solidão que grita
Deitamo-nos

Chegaram à minha porta
Derrubaram a minha porta
Reviraram a minha casa
Derrubaram os teus retratos
Esmagaram as minhas flores
Rasgaram os meus livros
Calaram a minha boca
Escorreram o meu sangue
Levaram o meu corpo
Sumiram com a minha lembrança

E não ouviste nada

terça-feira, 2 de abril de 2013

Expresso

Quase um rito

Ela me conhece, sabe o que desejo
Com a compreensão de duas galáxias que boiam em paz no universo
Suas mãos, alheias mãos, acionam a engrenagem do que acelera o tempo nos meus olhos despertos

É amargo, como se a compreensão e o andar acordado exigissem de mim isso também

Seu sorriso é solícito, mas não é meu
Suas mãos são hábeis, mas não são minhas
Sua vida, uma parte suspensa no claro-escuro das estrelas

E eu não a conheço

E ela não me sabe

E ela me proporciona a primeira fração de quase todo dia

Bebo então o café que ela me tira


Um rito


Todo dia

domingo, 31 de março de 2013

HaiCai Estrelar Precioso


Você veio e pousou
Estrela num dia de verão
E meu coração acordou

Sobre o Rio, a cidade da mulher, a mulher da cidade

- Às vezes, a cidade parece de mentira.

- Como?

- Do alto, os morros, as luzes, as ruas engraçadas...

- Ah, os bêbados...

- Não, olha aqui, pra mim.

- O quê?

- Viu? A cidade às vezes parece de mentira.


sábado, 30 de março de 2013

Fecham-se os olhos

Fecham-se os olhos a esta hora
Enquanto é um tempo e a cidade acorda
Enquanto não começaram a passar os aviões
Enquanto não se ouve do apartamento ao lado o sapateado firme do cotidiano

Fecham-se os olhos a esta hora
Enquanto o mar ainda bate nas encostas
Enquanto a espuma ainda forma seus sorrisos brancos
Enquanto a chuva não espanta os casais da grama
Enquanto as festas estão longe de terminar

Fecham-se os olhos a esta hora
Enquanto o Rio é uma cidade curiosa e ela não entende a eficaz equação do homem e da natureza
Enquanto comem biscoitos Globo pelas praias
Enquanto seu corpo lhe dá ordens sobre ferro e minerais
Enquanto os homens nunca acordam de verdade

Fecham-se os olhos a esta hora
Enquanto a claridade que não veio torna a promessa de um novo dia quase ilusória
Enquanto na rua o leiteiro andaria se houvesse e talvez morreria em tons de vermelho, como cantava Drummond
Enquanto a lágrima não rola por ter dito adeus a ele
Enquanto não percebe que isso e o demais não abrirão jamais seus olhos

Fecham-se os olhos
E continuamos a caminhar

sexta-feira, 29 de março de 2013

Há passos e silêncios aqui

Há passos e silêncios aqui
O rio longe apaga as estrelas no final do caminho para as bandas de lá...
Vai chover?
Choverá.
Eis a vida entre as ondas, a terra, o céu e o mar

segunda-feira, 25 de março de 2013

Ensaio sobre Flora


Descansam geladas agora
As mãos que conheceram minhas noites febris
Aqueles olhos tão vivos e cúmplices
das artes de uma menina-lua,
clara e escura,
repousam olhando para dentro de si

Sim

As pequenas confissões que ainda criança ouvi sem entender
e que agora, mulher, temo não compreender

Flora, minhas estações agora passam sem ti
Amadureces outras flores e frutos por campos outros deste mundo,
mas nesta saudade que trago, represo uma vida em que não sei se caibo ou ao menos se cabe em mim...

Mulher que ultrapassa, Flora,
e que às vezes suplica para quase não ser,
porque dói,
porque irrita,
porque quem sabe fosse feliz em simplesmente não saber...

Mas não

Lembro dos rios que o tempo
lentamente
abriu em tua pele…
rios que já secos eu menina conheci
Sulquei minha pele pela verdade,
porque não sei esperar
como você sabia,
como soube,
como me disse adeus...

Agora

Daqui a pouco, pouco menos,
chega o outono por estes lados do mundo em que isso na verdade nunca fez tanta diferença
Mas todos se lembram de você, e não poderia ter sido melhor a ocasião para que todas as vezes que uma lágrima fora de hora insistisse em cair eu a chamasse, aos companheiros, de suor

Então

O outono, Flora, minha Flora, chega logo mais
e hoje faz mais sentido que se seque para se renovar
Assim, Flora, amadureceste-me
até o dia de - quem irá saber? - num dia de verão eu também invernar

sábado, 16 de março de 2013

O que não tem motivo


Amo-te apesar de crescer
Amo-te apesar de amadurecer

Amo-te apesar de seres pequena
Amo-te apesar de seres grande
Amo-te apesar de seres livre
Amo-te apesar de seres humana
Amo-te apesar de minha covardia
Amo-te apesar de minha coragem
Amo-te apesar de chorares quando é preciso
Amo-te apesar de sorrires fora de hora
Amo-te apesar de tua primeira nudez
Amo-te apesar de minha primeira nudez
Amo-te apesar de não entender
Amo-te apesar de esquecer
Amo-te apesar de procurar
Amo-te apesar de encontrar
Amo-te apesar de não encontrar
Amo-te apesar de não seres a primeira
Amo-te apesar de seres a última
Amo-te apesar de seres aérea
Amo-te apesar de seres de carne
Amo-te apesar de seres espírito
Amo-te apesar de tua fragilidade
Amo-te apesar de tua força
Amo-te apesar de preferires Caetano a Chico
Amo-te apesar de preferires feijão sobre o arroz
Amo-te apesar de a inflação galopar nos jornais
Amo-te apesar de quebrares as canecas do café da manhã
Amo-te apesar de o preço do café subir demais
Amo-te apesar de colocares doces e guloseimas no carrinho de compras
Amo-te apesar de sofreres quando teu filho chora e já não lhe basta teu útero
Amo-te apesar de São Paulo ter o pior trânsito do mundo
Amo-te apesar de fazeres a unha enquanto conversa e derruba tudo no sofá
Amo-te apesar de usares o secador todos os dias enquanto durmo
Amo-te apesar de rires de mim cantando
Amo-te apesar de rires mais ainda quando danço
Amo-te apesar de tuas mãos serem longe das minhas
Amo-te apesar de teus olhos fugirem aos meus
Amo-te apesar de teu peito comportar a dor que eu tomaria para mim se me fosse permitido
Amo-te apesar de puxares a coberta
Amo-te apesar de ser cedo demais
Amo-te apesar de ser tarde demais
Amo-te apesar de toda a multidão
Amo-te apesar de todas as mulheres

Amo-te apesar de viver

Amo-te apesar de morrer

Amo-te apesar de não haver porquê

Amo-te apesar de.

sexta-feira, 15 de março de 2013

Variação sobre a fragilidade

Imerso em mares de estrelas
Pende o homem sobre o desfiladeiro
Boia imensamente minúsculo
Sob sobre o seu olhar

Entre filmes, poemas,
Bicicletas, sonhos,
O sabão em pó
A cocaína e o cigarro

Tudo
A fumaça que se (des)faz
Minúcia do sexo do ar

O homem é pequeno e grande

O homem é frágil

quarta-feira, 13 de março de 2013

Morreu um homem

Àqueles que acordam em minha geração
(acordam a minha geração)
 e por isso não dormem...
Aos meus semelhantes
 

Nesta noite, morreu um homem
Não.
Morreu também um bicho
Morreu

A arma encostada em minhas costelas que se partiriam sem criar
O suor frio, o ódio contido, a iminência da morte de um inocente

Um bicho

As ordens de entregar o que quer que fosse
A dúvida de ser ou não um óculos de marca
Tudo! Tudo!
Os pontapés, os socos, os abusos, a violência em cada ato

E o bicho

A fúria da cocaína, do pé no barro desde criança
O barro fétido do grande rio que corta a periferia como uma veia podre

O bicho

Olhava

Nesta noite, morreu um homem
Diversos tiros pelo corpo
Um sangue podre como o barro
A escorrer com o cheiro do veneno de natais sem presente
Da mãe violentada pelos homens todos
Tudo!
Da televisão e da felicidade em cada óculos escuros
Da realização aparente a cada cavalo estampado nas camisas que não lhe vestiam

O bicho
Gritava apavorado, acuado!

Nesta noite, eu o reconheci
O que me sequestrara, me humilhara
Estendido a tudo o que eu sempre desejei desde então:
a miséria mais imunda do poço sem fundo de ódio que criamos

Nesta noite, morreu um homem e ele estava só
Na companhia das balas cravadas em sua carne

Um homem que matou um bicho
Que vivia dentro de mim
Crendo ser um homem
Contra os bichos

sexta-feira, 25 de janeiro de 2013

Lígia, o rio passou.
Que aos rios fiquem os detritos de nosso sonho.
Eu fico com você nova e nua.

segunda-feira, 21 de janeiro de 2013

Sobre o voo


Um dia, a menina quis pular
Ele disse: pula, que eu seguro você
Ela pulou,
e ele-aquele não a segurou

Outro dia, a menina quis pular
Ele, outro-ele, disse: pula, que eu te seguro
Ela pulou,
e ele não a segurou

Outros anos

A menina não gostava de pular.

Ao seu lado, ele, tantos outros eles-anos, a olhou em silêncio

Somente ele

Sorriu
Nada disse
E pulou

A mulher pulou junto

E ninguém nunca mais os segurou

terça-feira, 15 de janeiro de 2013

Fios

Se teu corpo não te basta
Se tua alma expande em direção ao sobre-humano
Acalma-te!

Ainda assim não te sintas podada pelo mesmo fio frio da tesoura cega que sangra e esmigalha miseravelmente a rosa

Efetivamente.

Sobrevives...

Sobrevives e perseveras
Como as secas folhas velhas

domingo, 13 de janeiro de 2013

Apago


Apago as luzes aqui dentro,
Mas há luzes demais lá fora

A cidade toma pelas mãos a minha escuridão
Não permite o mergulho fatal

De ouvidos absolutos, não quero ouvir,
Mas há barulho demais lá fora
A cidade invade meus ouvidos tapados
Esquisitos arranjos em descompasso

Embriagado, não quero sentir

A cidade sente um desespero

Apago.

O ventre e a caça


No mais vulnerável do teu ventre
Meus dentes

A conquista do fogo
A libertação da caça
As noites
As chamas devastando as casas

No teu ventre em brasa,
Meus dentes, animais,
Te bastam