domingo, 31 de março de 2013

HaiCai Estrelar Precioso


Você veio e pousou
Estrela num dia de verão
E meu coração acordou

Sobre o Rio, a cidade da mulher, a mulher da cidade

- Às vezes, a cidade parece de mentira.

- Como?

- Do alto, os morros, as luzes, as ruas engraçadas...

- Ah, os bêbados...

- Não, olha aqui, pra mim.

- O quê?

- Viu? A cidade às vezes parece de mentira.


sábado, 30 de março de 2013

Fecham-se os olhos

Fecham-se os olhos a esta hora
Enquanto é um tempo e a cidade acorda
Enquanto não começaram a passar os aviões
Enquanto não se ouve do apartamento ao lado o sapateado firme do cotidiano

Fecham-se os olhos a esta hora
Enquanto o mar ainda bate nas encostas
Enquanto a espuma ainda forma seus sorrisos brancos
Enquanto a chuva não espanta os casais da grama
Enquanto as festas estão longe de terminar

Fecham-se os olhos a esta hora
Enquanto o Rio é uma cidade curiosa e ela não entende a eficaz equação do homem e da natureza
Enquanto comem biscoitos Globo pelas praias
Enquanto seu corpo lhe dá ordens sobre ferro e minerais
Enquanto os homens nunca acordam de verdade

Fecham-se os olhos a esta hora
Enquanto a claridade que não veio torna a promessa de um novo dia quase ilusória
Enquanto na rua o leiteiro andaria se houvesse e talvez morreria em tons de vermelho, como cantava Drummond
Enquanto a lágrima não rola por ter dito adeus a ele
Enquanto não percebe que isso e o demais não abrirão jamais seus olhos

Fecham-se os olhos
E continuamos a caminhar

sexta-feira, 29 de março de 2013

Há passos e silêncios aqui

Há passos e silêncios aqui
O rio longe apaga as estrelas no final do caminho para as bandas de lá...
Vai chover?
Choverá.
Eis a vida entre as ondas, a terra, o céu e o mar

segunda-feira, 25 de março de 2013

Ensaio sobre Flora


Descansam geladas agora
As mãos que conheceram minhas noites febris
Aqueles olhos tão vivos e cúmplices
das artes de uma menina-lua,
clara e escura,
repousam olhando para dentro de si

Sim

As pequenas confissões que ainda criança ouvi sem entender
e que agora, mulher, temo não compreender

Flora, minhas estações agora passam sem ti
Amadureces outras flores e frutos por campos outros deste mundo,
mas nesta saudade que trago, represo uma vida em que não sei se caibo ou ao menos se cabe em mim...

Mulher que ultrapassa, Flora,
e que às vezes suplica para quase não ser,
porque dói,
porque irrita,
porque quem sabe fosse feliz em simplesmente não saber...

Mas não

Lembro dos rios que o tempo
lentamente
abriu em tua pele…
rios que já secos eu menina conheci
Sulquei minha pele pela verdade,
porque não sei esperar
como você sabia,
como soube,
como me disse adeus...

Agora

Daqui a pouco, pouco menos,
chega o outono por estes lados do mundo em que isso na verdade nunca fez tanta diferença
Mas todos se lembram de você, e não poderia ter sido melhor a ocasião para que todas as vezes que uma lágrima fora de hora insistisse em cair eu a chamasse, aos companheiros, de suor

Então

O outono, Flora, minha Flora, chega logo mais
e hoje faz mais sentido que se seque para se renovar
Assim, Flora, amadureceste-me
até o dia de - quem irá saber? - num dia de verão eu também invernar

sábado, 16 de março de 2013

O que não tem motivo


Amo-te apesar de crescer
Amo-te apesar de amadurecer

Amo-te apesar de seres pequena
Amo-te apesar de seres grande
Amo-te apesar de seres livre
Amo-te apesar de seres humana
Amo-te apesar de minha covardia
Amo-te apesar de minha coragem
Amo-te apesar de chorares quando é preciso
Amo-te apesar de sorrires fora de hora
Amo-te apesar de tua primeira nudez
Amo-te apesar de minha primeira nudez
Amo-te apesar de não entender
Amo-te apesar de esquecer
Amo-te apesar de procurar
Amo-te apesar de encontrar
Amo-te apesar de não encontrar
Amo-te apesar de não seres a primeira
Amo-te apesar de seres a última
Amo-te apesar de seres aérea
Amo-te apesar de seres de carne
Amo-te apesar de seres espírito
Amo-te apesar de tua fragilidade
Amo-te apesar de tua força
Amo-te apesar de preferires Caetano a Chico
Amo-te apesar de preferires feijão sobre o arroz
Amo-te apesar de a inflação galopar nos jornais
Amo-te apesar de quebrares as canecas do café da manhã
Amo-te apesar de o preço do café subir demais
Amo-te apesar de colocares doces e guloseimas no carrinho de compras
Amo-te apesar de sofreres quando teu filho chora e já não lhe basta teu útero
Amo-te apesar de São Paulo ter o pior trânsito do mundo
Amo-te apesar de fazeres a unha enquanto conversa e derruba tudo no sofá
Amo-te apesar de usares o secador todos os dias enquanto durmo
Amo-te apesar de rires de mim cantando
Amo-te apesar de rires mais ainda quando danço
Amo-te apesar de tuas mãos serem longe das minhas
Amo-te apesar de teus olhos fugirem aos meus
Amo-te apesar de teu peito comportar a dor que eu tomaria para mim se me fosse permitido
Amo-te apesar de puxares a coberta
Amo-te apesar de ser cedo demais
Amo-te apesar de ser tarde demais
Amo-te apesar de toda a multidão
Amo-te apesar de todas as mulheres

Amo-te apesar de viver

Amo-te apesar de morrer

Amo-te apesar de não haver porquê

Amo-te apesar de.

sexta-feira, 15 de março de 2013

Variação sobre a fragilidade

Imerso em mares de estrelas
Pende o homem sobre o desfiladeiro
Boia imensamente minúsculo
Sob sobre o seu olhar

Entre filmes, poemas,
Bicicletas, sonhos,
O sabão em pó
A cocaína e o cigarro

Tudo
A fumaça que se (des)faz
Minúcia do sexo do ar

O homem é pequeno e grande

O homem é frágil

quarta-feira, 13 de março de 2013

Morreu um homem

Àqueles que acordam em minha geração
(acordam a minha geração)
 e por isso não dormem...
Aos meus semelhantes
 

Nesta noite, morreu um homem
Não.
Morreu também um bicho
Morreu

A arma encostada em minhas costelas que se partiriam sem criar
O suor frio, o ódio contido, a iminência da morte de um inocente

Um bicho

As ordens de entregar o que quer que fosse
A dúvida de ser ou não um óculos de marca
Tudo! Tudo!
Os pontapés, os socos, os abusos, a violência em cada ato

E o bicho

A fúria da cocaína, do pé no barro desde criança
O barro fétido do grande rio que corta a periferia como uma veia podre

O bicho

Olhava

Nesta noite, morreu um homem
Diversos tiros pelo corpo
Um sangue podre como o barro
A escorrer com o cheiro do veneno de natais sem presente
Da mãe violentada pelos homens todos
Tudo!
Da televisão e da felicidade em cada óculos escuros
Da realização aparente a cada cavalo estampado nas camisas que não lhe vestiam

O bicho
Gritava apavorado, acuado!

Nesta noite, eu o reconheci
O que me sequestrara, me humilhara
Estendido a tudo o que eu sempre desejei desde então:
a miséria mais imunda do poço sem fundo de ódio que criamos

Nesta noite, morreu um homem e ele estava só
Na companhia das balas cravadas em sua carne

Um homem que matou um bicho
Que vivia dentro de mim
Crendo ser um homem
Contra os bichos