terça-feira, 30 de abril de 2013

Das coisas que apartam tempo e espaço I

O abraço
A casa
As mãos
O plástico bolha
O sexo
Elevador quebrado
Os olhos
O blefe durante o carteado
O beijo
O rum
O segredo inconfesso
A caipirinha
O amigo

O amor
A dor
A saudade


domingo, 28 de abril de 2013

domingo, 21 de abril de 2013

Menina-de-nome-russo

São longas as horas e abro a janela
Deitado na cama, olhos abertos, o primeiro movimento do vento me toma a face...
É frio e úmido e cheira à Serra do Mar
E torno a repousar minhas pálpebras umas nas outras, pois sei: logo o sono vem
E quando vier, não serei este ausente, não trarei comigo esta raiva muda e inerte no peito mudo que se conforta no colchão em que repousa agora...

Há presenças e ausências aqui e eu queria captá-las todas, Menina-de-nome-russo, e cantar-te as canções mais belas e ensinar-te as artes do amor pela tua janela que dá para o mar da praia vazia às meias-noites onde apenas nós íamos e vertíamos em vidro as areias com nosso suor...

Essa saudade, esse idioma sem nome que me fala o vento nas faces, em todas as que acompanhaste por tantos e tantos anos, essa necessidade, esta noite, este vazio

Menina-de-nome-russo, dos russos, que sempre temi.

sábado, 20 de abril de 2013

Primeiro ensaio sobre Olívia ou Olívia sorri


Observo em silêncio as mulheres que nascem, crescem, amadurecem e morrem neste lugar

Cheio de inutilidades desse observar, caminho só, em silêncio, como quem recebe de um passado-futuro um beijo quente na face envelhecida e sente uma lágrima lhe desenhar o rosto de emoção, de vida, de significados

Olívia sorri um sorriso que conheço há muitos anos
Seu tempo é o eterno, da paz que vive onde não se chega
Seu sorriso viverá por milhares de anos
As covinhas ligeiras que escrevem sua genealogia
Suas conquistas
Sua felicidade me toca, pois a desejara intensamente em poesia e não sabia escrevê-la, hoje sei, por sequer ter nascido!

Sua alegria compõe o vestido de estrelas do céu
O tempo, o tempo, o tempo
A Terra, a Terra, a Terra
O distante, distante, navegante...

Quanto haverá que sorrir com Carlitos!
Quanto haverá que dançar com os Beatles
Quanto haverá que descobrir as letras de cada gene que em si se escreveu com as linhas do amor!
Quanto há que se espantar com seu sorriso num quadro de antes de si!

Olívia é fruto da arte da vida
Olívia me encanta
Olívia me sorriu pela primeira vez antes de nascer
Olívia carrega sonhos inconfessos de um homem que viu a vida nascer
De novo, de novo, de novo

Olívia cheira bem e sorri dormindo (e deve conversar com os anjos as coisas mais ternas que um ser humano jamais ouvirá, mas de que sentirá saudades)

Aguçam-lhe os sentidos a música e, de algum modo, um poeta que a canta distante e a faz mais próxima de seu jardim, o jardim invisível de onde lhe manda cartas sem fim, escritas à luz de velas, num mundo em que ainda se escrevem cartas, mas que nunca, nunca chegam...

Olívia vibra longínqua, como se o agora não fosse significativo para sua existência como o eterno se faz presente

Olívia chora porque tem cólicas terríveis
Olívia chora porque há febrões intermináveis
Olívia chora, e nem o sabe, porque ao seu lado, sua mãe derrama lágrimas para dentro e para fora para cada dor que ela sente, como se a incapacidade de senti-las em seu lugar fosse uma fraqueza, um falha, um erro!
Olívia pensa, antes de saber pensar: "mãe, eu amo você e não sei porque farei bobeiras e por vezes te deixarei triste"

Olívia ainda não sabe
Ela é uma estrela

E sua mãe e seu pai também

Apenas


A pedra que é apenas pedra
A rua que é apenas rua
A água que é apenas água
A sala que é apenas sala
A rua que é apenas rua
A fome que é apenas fome
A companhia que é apenas ausência
A saudade que é apenas saudade

O que é apenas
O que é sem ser
O que é pobre irrealidade

Vão!


E a noite que parte em nós,
nosso barco,
está à espera da nossa canção
à Lua que sobre o mar permite-nos repousar
Onde o som, onde a canção?
Onde a ode ao que somos
Em vão?
Em sonhos, o que ouço é o vão da canção
Vão!

De mim


Ela que me ensinou sobre o amor e o mar
Ela que partiu sem me dizer adeus e me pediu: vem me buscar!
Ela que me ensinou sobre o rum e o navegar
Ela que me ensinou sobre o gramado da Pedra do Leme e a intensidade de suas mãos sobre as minhas mãos sobre a nossa pele sobre o mar que espumava violentamente contra a encosta as costas a chuva fina e grossa o caos da festa das gentes animadas
Ela que me partiu
Ela que me sorriu
Ela que me viu
Ela que me soltou
Ela que me levou
De mim

terça-feira, 16 de abril de 2013

O sonho do dia


Pensava em como sonhar um dia profundo
Da substância ou cor que fosse...

Sonhar um dia

Era isso
E era de um heroísmo a que se propusera desde tempos imemoriais
Ele, homem

"Não há que se fazer mais que fechar os olhos",
pensara...
Estava errado.

Quando conheceu a morte pela primeira vez
Não pode furtar de si o óbvio:
sonhar era mais fácil que viver.

segunda-feira, 15 de abril de 2013

Razão de nós

Nao ha razao pra ter
O que temos tido
Viver o que temos vivido
Ser o que temos sido

Em algum lugar se perdeu
O que restava
Do fino fio da vida
De nós

domingo, 14 de abril de 2013

Cartografia I


na minha boca
nos meus braços
no meu corpo
no abraço silente do mundo extático em fogo, em calor

no seu prazer
nos seus olhos se fechando
nas suas mãos procurando o sustentáculo que não está ao alcance dos seus tentáculos, mulher do mar e transfigurada em impulsos de possuir e devorar
na sua procura insana quando a terra treme, o mar se levanta e você vem...

na cartografia insana que suas unhas desenham
nas minhas costas
na pele, mapa de um desejo incontido e cego e louco

nos mapas compostos em linhas vermelhas espalhados pelo mar
no sol que vem quando o furor da procela se esvai
nos seus mil caminhos
nos seus sensíveis traços
no seu sono
no seu regaço em paz

na cartografia de nós dois

quinta-feira, 4 de abril de 2013

Clamor em sonho de Orfeu

Agora que sinto nossa chegada,
Eurídice,
Apertemos o passo, que à frente de ti
Meus caminhos são falsos

E não suporto quando teus pés abandonam
O estalar seco dos galhos pelo chão
E tua voz não ecoa nos fundos do Inferno de onde viemos

Não te afastes demais,
Eurídice,
Que nossa chegada é próxima
Que nossa partida é quase finda

Não te cales,
Eurídice,
Não desta vez

Que no peito deste bardo
Bate violento o peso
De que no sonho me vire
E a ti eu veja de sal, o gosto simples,
salgado da lágrima de te ver partir pra sempre

Quero-te luminosa comigo
Onde a Luz alcançará nós dois
E a lira desenhará os sons
Que minha história ainda não contou

Eurídice, para que cheguemos:
caminha junto a mim e, com tua presença, fala!

quarta-feira, 3 de abril de 2013

Éramos distantes

Éramos distantes
E no silêncio seco da solidão que grita
Deitamo-nos

Chegaram à minha porta
Derrubaram a minha porta
Reviraram a minha casa
Derrubaram os teus retratos
Esmagaram as minhas flores
Rasgaram os meus livros
Calaram a minha boca
Escorreram o meu sangue
Levaram o meu corpo
Sumiram com a minha lembrança

E não ouviste nada

terça-feira, 2 de abril de 2013

Expresso

Quase um rito

Ela me conhece, sabe o que desejo
Com a compreensão de duas galáxias que boiam em paz no universo
Suas mãos, alheias mãos, acionam a engrenagem do que acelera o tempo nos meus olhos despertos

É amargo, como se a compreensão e o andar acordado exigissem de mim isso também

Seu sorriso é solícito, mas não é meu
Suas mãos são hábeis, mas não são minhas
Sua vida, uma parte suspensa no claro-escuro das estrelas

E eu não a conheço

E ela não me sabe

E ela me proporciona a primeira fração de quase todo dia

Bebo então o café que ela me tira


Um rito


Todo dia