domingo, 16 de dezembro de 2012

IV Carta de Iaponica insula rosarum

Recordei-me do velho Barão.
Seus olhos cansados, suas forças esgotadas, lutando com palavras contra um mundo de vazio e solidão.
Maya pediu-lhe um poema, Barão deu-lhe um mundo e isso não foi o bastante.
Do que vivo, a quem eu poderia dar poucas flores que eu colho todo dia e olho abismado com meu enigma pessoal: o que são?
Lembro-me da morte do pai do velho Barão.
Soubera há poucas horas da notícia e tínhamos nosso caminho, precisávamos continuar e estávamos ali.
Barão, sentado, em silêncio, segurava seu copo.
Fazia frio. Era inverno.
Sentado de frente a ele, eu olhava e segurava também o meu copo.
Havia entre nós e a vida a morte.
Havia a ausência de um pai.
Havia um homem que nascia em Barão.
Havia um coração que se tornaria um criador de mundos, que espalharia por todos os cantos pedaços de possibilidades de descanso para tanta solidão e cansaço.
Barão não disse nada.
Tampouco eu.
Sentíamos que era o momento de nosso maior silêncio.
Durante as tardes, quando caminho pelo lado esquerdo da costa desta ilha, penso nele.
Há flores, há essas frágeis rosas que nem rosas se parecem.
Penso em nós, em nossos medos do que viria pela frente.
Não éramos mais que estas flores. Não éramos mais que esses dias sem fim que se seguiram ao nosso silêncio.
Nasceríamos, viveríamos e um dia dois velhos companheiros teriam o nosso mesmo silêncio, dificilmente naquele mesmo lugar.
Penso em Barão, Davy, porque eu nunca soube também da substância que o mantinha vivo, até sentir que oferecer um mundo a Maya foi um engano.
Maya erigiu com ele todos os muros, todos os jardins, todas as batalhas, todas as vitórias daquelas terras sem fim.
Era dela, era de sua capacidade feminina fértil a criação.
Barão sempre foi um tradutor. O melhor daqueles mundos sem fim. Era essa a essência do velho Barão: criar o que se ouve no silêncio.
Vejo-me aqui, em uma ilha, no meio do mar, e penso: Barão não teria criado este mundo também.
Eu sei que o Sol nasce do lado direito desta ilha e corre por todos os seus mais desconhecidos mistérios. E tudo provém de um emaranhado sem fim de teias geográficas femininas do que gera, do que cria, do que produz.
Eu queria, como Barão, ser um tradutor.
Não o consegui. Minha tradução trai, é torta e canta em outro tom o que ouve.
Eis minha saudade da completude que me oferecia Barão.
Davy, caso você o encontre um dia, diga-lhe isto: hoje eu sei da canção do silêncio, meu velho Barão. Hoje eu sei permanecer em silêncio.
Tenho também um mundo, tenho também a minha vez e minha voz: erige-se um homem pela beleza de uma mulher.

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