domingo, 16 de dezembro de 2012

I Carta de Iaponica insula rosarum


Davy, escrevo-te duvidando da sua acolhida e estas palavras.
Não sei como chegarão a seu destino, embora reste-me para manter a sanidade escrevê-las todas as noites enquanto eu estiver à espera ou em um curso que ainda desconheço.
Era a manhã de uma quarta-feira em que cumpríamos nossa derrota diária, quando as fúrias revoltaram-se contra nós.
Homens, ratos, todos agarrados ao que encontrassem de seguro antes de serem lançados ao mar.
Chovia.
Enrolado a uma corda por um descuido, perdi a mobilidade de meus braços e fui arrancado do esteio em que me agarrava com os olhos fechados, dado ao destino sem outra expectativa que não morrer.
Era novembro e corríamos o mar em direção às famosas ilhas encantadas de Yakushima e era certa nossa chegada ao alvorecer do sábado.
Não sei o que é dos homens neste momento. Sei que trago comigo minhas roupas, minha bolsa de couro com meus diários e a sensação estranha de não ter fraturas pelo corpo com tanta violência do naufrágio, senão vergões que pelo seu ardor acordaram-me em um remanso neste lugar. Restos da embarcação chegam diariamente à costa desta ilha. Do que pude resgatar, o que mais tem-me valido é um abrigo que me tem ajudado a manter o calor nas noites absurdamente frias deste lugar.
Há aproximadamente dois meses, minha vida tem sido caminhar por estas paragens, reconhecer o que me cerca e buscar sentido para o esvair de minha vida em um lugar como este.
Nada é certo.
Das muitas coisas que me intrigam neste lugar, e das quais com o tempo narrarei em detalhes a você, é a sensação de que aqui há algo que não me permite discernir a substância das coisas.
Explico-me: as cores.
Há belas árvores por aqui às quais chamei rosas japonesas. Uma breve apreciação de sua beleza tira-me o sono por dias. Há algo que não me deixa apropriar do que realmente são. As cores, as folhas, a terra, o ar, a luz. As cores dissolvem-se em tantas possibilidades que não me é permitido seguir a lógica de que vejo o que há nelas, ou de que elas estão sobre uma ilha e por isso são belas.
Não.
Há algo inconstante nas certezas. Há algo que tira-me dos dias seguidos de derrota correta, planejada, sobre o mar.
Sei que estou no meio do mar, mas estou em terra, mas é terra dentro do mar e não sei realmente se a terra o é para mim por conta do mar, ou se o mar o é para mim por conta da terra.
Piso?
Não sei.
Tenho passado dias acordado e agora os ventos começam.
Eis, Davy, meu clamor: onde quer que você esteja, tento montar em minha cabeça suas indicações de que caminhos percorrer.
É às vezes triste não poder contar contigo aqui, mas às vezes parece promissor.
Eu poderia, em situações melhores, dizer que pisei a terra da esperança.
Há flores, flores belas, que florescem e morrem com uma rapidez sem precedentes, mas que levam com cada renascer ao mais profundo da minha alma uma luz que me tem mantido em pé por longos dias.
Espero ver-te em breve, amigo.
Espero ver-me em breve.

Nenhum comentário:

Postar um comentário