“War, children, it’s just a shot away
I tell you love, sister, it’s just a kiss away.”
(The Rolling Stones)
Três tiros no peito. Causa mortis de um jovem estirado no
chão de um sábado à noite na Alameda Santos.
Vingança. Crimes passionais. Jonas, Elias, Carlos, Paulo e
André seguiriam seu roteiro. O Trianon estava a apenas alguns passos. Alameda
Santos. “Estranha nostalgia”, pensava Carlos consigo e com as lembranças mais
que recentes que seus vinte e dois anos lhe permitiam ter. Como poderiam as
coisas serem assim? Morrer em plena Alameda Santos com três tiros no peito, por
amor?... Não, em silêncio percebia: começara a romantizar. Viu uma amoreira.
Deveria ser seu pai.
Sim, a voz de seu pai, homem do interior, sabedor das
árvores e das coisas da terra, tentara a vida em São Paulo e se mandara
ao fim da vida tentada com a mesma busca: tentar a vida em outro lugar. Carlos,
tentar a vida em São
Paulo. Foi esse o relampejo em sua mente acompanhado de um
trago forte daquele cigarro e um gole mais que ardente de um destilado qualquer
(na garrafa, mais barato, pego na gôndola há poucos minutos).
Sentados ao beiral do mirante do MASP, conversando, rindo,
vivendo, juvenescendo. Carlos testava em silêncio seus limites. Seus pés
estavam livres, suspensos em pleno abismo. O que faltaria? A violência das
guitarras em alucinação de distorções soando em seus ouvidos, a bateria furiosa
a excitar os seus pulmões em espasmos diafragmáticos e fazendo seus olhos
arderem em febre, a revolução incontida em cada grito rascante em microfones
pobres, em músicas pobres em desespero sem igual: o vôo final... O vôo final?
Sua avó. Dois comprimidos de Diazepam pra dormir. Centenas
de pessoas a ir, a vir pela Avenida, veias abertas das cidades do país. A angústia
calada pelo horizonte, universo frio e iluminado por baixo por infindas
estrelas elétricas. Seus pés de volta ao beiral, alojados em segurança nos blocos
coloridos pelo musgo das jardineiras. O MASP parece que vai rachar ao meio. Um
olhar que se perde. Outro trago. Setenta e outros anos. Contara-lhe as mais
belas histórias, sua avó. Agora belas, as histórias, por serem contadas por sua
avó, não mais por suas personagens, babacas que gritavam para rochas se abrirem
ou crianças mal-educadas que temiam o Diabo. O Diabo são três balas no peito na
Alameda Santos.
“— Vai com Deus, fio. Tá levando a blusa?” Riu pra chorar. Despediu-se
dos amigos. Guardou com cuidado os outros três cigarros em seu bolso para não
esmagarem na viagem do ônibus até sua casa, na periferia da grande cidade.
Daria-os para sua avó que fumava há mais motivos que ele. Tudo agora se
iniciava. Novamente. O álcool desvendava seus últimos mistérios em lágrimas.
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